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sábado, 28 de abril de 2012

1a classe do avião


A tensão do vôo era, como sempre, capaz de causar náuseas e calafrios como somente os mais terríveis pesadelos infantis. Diante da sensação de vazio e das turbulências, a incrível capacidade de os problemas parecerem infinitos.
E diante das longas horas por vir, nenhum pensamento bom parece ser capaz de penetrar a mente.

- Rumo ao terceiro mundo, ainda por cima.
Não lhe parece muito clara a razão para a viagem até terras tão longínquas em busca de negócios.

- Será a primeira e última vez.

Foi o que disseram, e é o único pensamento que mantém a sanidade do executivo europeu, sentado na poltrona 1a classe do avião que em breve voará para o Brasil.

Já devidamente remediado, cai no sono, com o avião ainda no chão.

Acorda no luxuoso hotel deitado por sobre finos lençóis. Tenta, mas não consegue lembrar como chegou ali. Levanta decidido, veste-se adequadamente, penteia os cabelos, o bigode, e mira-se no espelho. A única resposta possível àquele que está lá no fundo, por detrás do engomado reflexo, é: sairei deste fim de mundo o quanto antes, para nunca mais voltar. Fecharei esse negócio ainda hoje. E nunca mais faço um vôo assim.

Na rua, o sol escaldante intensifica a sensação de náusea, e parece também intensificar o efeito da medicação exagerada. Atordoado, o executivo se vê perdido no Rio de Janeiro. Sem conseguir comunicar-se, ziguezagueando em busca do local das reuniões.

A gravata o enforca.

Vista embargada, e com toda força, novamente, a impressão de que os pensamentos bons se esvaíram e nunca mais voltarão. Diante dos olhos embaçados, só se vê a vida falsa, e de aparências em que vive. Velhas questões, os tempos de jovem, velhos livros, velhas histórias, velhas verdades, velhas canções, velhos lugares; saudades antigas, saudades novas, pensamentos guardados, reprimidos. De volta. Assolando, atordoando. Velhas esperanças, hoje fonte de dor.

O estômago embrulha.

Suando, e a esta altura já descabelado, bigodes desgrenhados, e olhos esbugalhados, começa a ouvir uma música. Será um sonho? O tom azul infinito do céu, o calor sufocante, ruas, ruelas. Pessoas, muitas pessoas. A música, cada vez mais alta, soa como real e o sacode, exatamente como faz o vento com avião que cruza tempestade.

A cambalear, vê as pessoas sorridentes e não entende. O olhar etnocêntrico, muito bem treinado, só consegue vê-las como selvagens. E agem como tal, dançam, pulam, cantam, riem. E como riem os selvagens! Como podem? Rir!?

A música cada vez mais alta, torna-se praticamente ensurdecedora e definitivamente insuportável aos seus ouvidos. É como se gritasse a plenos pulmões a voz que vai decidida, preenchendo cada esquina da cidade, feminina e poderosa.

Subitamente, não havia mais chão sob os pés. E tudo caiu.

O reflexo à queda o contraiu abruptamente. Assustado, arregalou os olhos, espalhando-os ao redor, e logo percebeu-se, novamente, sentado numa das poltronas 1a classe do avião que, finalmente, começava a decolar rumo ao Rio de Janeiro.

Engoliu em seco, e rapidamente notou: seu ato repentino acabou por ter trazido os olhares assustados dos que também iam, sentados.

O executivo, sem escolha, disfarçou.



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