1a
classe do avião
A
tensão do vôo era, como sempre, capaz de causar náuseas e
calafrios como somente os mais terríveis pesadelos infantis. Diante
da sensação de vazio e das turbulências, a incrível capacidade de
os problemas parecerem infinitos.
E diante das longas horas por vir, nenhum pensamento bom parece ser capaz de penetrar a mente.
- Rumo ao terceiro mundo, ainda por cima.
E diante das longas horas por vir, nenhum pensamento bom parece ser capaz de penetrar a mente.
- Rumo ao terceiro mundo, ainda por cima.
Não lhe parece muito clara a razão para a viagem até terras tão
longínquas em busca de negócios.
- Será a primeira e última vez.
Foi o que disseram, e é o único pensamento que mantém a sanidade do executivo europeu, sentado na poltrona 1a classe do avião que em breve voará para o Brasil.
Já devidamente remediado, cai no sono, com o avião ainda no chão.
- Será a primeira e última vez.
Foi o que disseram, e é o único pensamento que mantém a sanidade do executivo europeu, sentado na poltrona 1a classe do avião que em breve voará para o Brasil.
Já devidamente remediado, cai no sono, com o avião ainda no chão.
Acorda
no luxuoso hotel deitado por sobre finos lençóis. Tenta, mas não
consegue lembrar como chegou ali. Levanta decidido, veste-se
adequadamente, penteia os cabelos, o bigode, e mira-se no espelho. A
única resposta possível àquele que está lá no fundo, por detrás
do engomado reflexo, é: sairei deste fim de mundo o quanto antes,
para nunca mais voltar. Fecharei esse negócio ainda hoje. E nunca
mais faço um vôo assim.
Na
rua, o sol escaldante intensifica a sensação de náusea, e parece
também intensificar o efeito da medicação exagerada. Atordoado, o
executivo se vê perdido no Rio de Janeiro. Sem conseguir
comunicar-se, ziguezagueando em busca do local das reuniões.
A gravata o enforca.
A gravata o enforca.
Vista
embargada, e com toda força, novamente, a impressão de que os
pensamentos bons se esvaíram e nunca mais voltarão. Diante dos
olhos embaçados, só se vê a vida falsa, e de aparências em que vive. Velhas questões, os tempos de jovem, velhos livros, velhas
histórias, velhas verdades, velhas canções, velhos lugares; saudades antigas, saudades novas, pensamentos guardados, reprimidos.
De volta. Assolando, atordoando. Velhas esperanças, hoje fonte de
dor.
O estômago embrulha.
O estômago embrulha.
Suando, e a esta altura já descabelado, bigodes desgrenhados, e olhos esbugalhados, começa a
ouvir uma música. Será um sonho? O tom azul infinito do céu, o
calor sufocante, ruas, ruelas. Pessoas, muitas pessoas. A música,
cada vez mais alta, soa como real e o sacode, exatamente como faz o vento com avião que
cruza tempestade.
A
cambalear, vê as pessoas sorridentes e não entende. O olhar
etnocêntrico, muito bem treinado, só consegue vê-las como
selvagens. E agem como tal, dançam, pulam, cantam, riem. E como riem
os selvagens! Como podem? Rir!?
A
música cada vez mais alta, torna-se praticamente ensurdecedora e
definitivamente insuportável aos seus ouvidos. É como se gritasse a
plenos pulmões a voz que vai decidida, preenchendo cada esquina da cidade,
feminina e poderosa.
Subitamente,
não havia mais chão sob os pés. E tudo caiu.
O reflexo à queda o contraiu abruptamente. Assustado, arregalou os olhos, espalhando-os ao redor, e logo percebeu-se, novamente, sentado numa das poltronas 1a classe do avião que, finalmente, começava a decolar rumo ao Rio de Janeiro.
Engoliu em seco, e rapidamente notou: seu ato repentino acabou por ter trazido os olhares assustados dos que também iam, sentados.
O executivo, sem escolha, disfarçou.
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